segunda-feira, 26 de julho de 2010

O perigo de depender de coaches

Michael Maccoby 

Todo coach entende que seu papel é tornar o orientado mais competente e auto-suficiente. Se não for isso que a relação de coaching estiver fazendo, é bem provável que a pessoa esteja ficando dependente demais. É claro que dependência nem sempre é ruim — um amigo contar com o outro, por exemplo, é algo bom. Mas todo mundo conhece gente incapaz de tomar uma decisão sem falar primeiro com o psiquiatra — e certos executivos fazem o mesmo com o coach. Travam, com esse orientador, conversas que deveriam estar tendo com outros executivos da diretoria ou com a equipe.

Os resultados da pesquisa mostram que mais de metade dos sondados acha que seus clientes não se tornam dependentes demais. A meu ver, não é um dado realista. O coach tem incentivos econômicos para ignorar o problema da dependência, criando um potencial conflito de interesses. É natural que queira expandir suas atividades — mas os melhores coaches, assim como os melhores analistas, põem o interesse do cliente em primeiro lugar. Harry Levinson, pai do coaching, trabalhou com os grandes executivos de sua época. E disse que alguém que ignorasse a dinâmica da dependência não tinha direito de ser coach. Para o leitor, o que isso significa é que antes de contratar um coach é preciso saber como ele lida com a dependência na relação.

Um resultado correlato da pesquisa merece especial atenção: embora quase 90% dos sondados tenham dito que estabelecem prazos antes de iniciar uma intervenção, à exceção de oito todos disseram que o foco da missão mudava em relação ao originalmente estabelecido. Embora a pesquisa não traga dados sobre a mecânica por trás dessa mudança, em meus 35 anos de experiência no campo observei que, em geral, isso decorre da extensão do trabalho do coach com o executivo. Um coach — que é basicamente um consultor — contratado para ajudá-lo com a estratégia, por exemplo, pode se oferecer para seguir a seu lado e auxiliar na implementação. Ou, se contratado para ajudá-lo a trabalhar melhor em equipe, pode sugerir que você precisa de orientação adicional para administrar os superiores ou trabalhar com subordinados difíceis mas criativos. Tudo isso consome mais tempo — e dinheiro. Ampliar um contrato não é necessariamente antiético. Saiba, porém, que seu coach pode estar pedindo mais do que você deseja ou realmente precisa.

Há, contudo, dois tipos específicos de mudança de foco que são perigosos e devem ser evitados. Um é quando o coach behaviorista (meu termo para alguém que monitora seu comportamento) atrai a pessoa para uma espécie de psicoterapia sem deixar isso explícito. Pode dizer, por exemplo, que você agora está pronto para explorar questões mais profundas que o impedem de atingir seu pleno potencial. O outro é quando um coach pessoal vira um conselheiro nos negócios. Nesse caso, o coach passa a ser uma espécie de parceiro de conversação — alguém com quem testar idéias estratégicas. Pode ser algo tão perigoso quanto, pois é raro o coach com profundo conhecimento sobre seus negócios.

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Michael Maccoby é presidente da consultoria americana de liderança Maccoby Group e autor de Narcissistic Leaders: Who Succeeds and Who Fails (Harvard Business School Press, 2007). 

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Seu coach vale o quanto ganha?

David B. Peterson 

Quarenta anos atrás, ninguém falava de coaching executivo. Vinte anos atrás, essa orientação era voltada basicamente a executivos de talento, mas irascíveis — gente que provavelmente seria demitida se não mudasse. Hoje, é uma solução popular e potente para garantir o alto desempenho dos talentos mais críticos da casa. Quase metade dos coaches ouvidos na sondagem disse ser contratada basicamente para trabalhar com executivos no lado positivo do coaching: desenvolver quem tem alto potencial e facilitar a transição para uma empresa nova ou cargo mais elevado. Outros 26% disseram que, em geral, são chamados para agir como caixa de ressonância em temas ligados à dinâmica organizacional e à estratégia. Um número relativamente pequeno disse ser normalmente contratado para lidar com o descontrole no comportamento.

A sondagem revelou ainda um dado importante sobre aquilo que a empresa pede que o coach faça e o que este acaba fazendo. Peguemos a questão do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. É rara a empresa que contrata um coach para abordar problemas sem vínculo com o trabalho (somente 3% dos coaches disseram ter sido contratados basicamente com essa finalidade), mas mais de 75% dos coaches afirmaram ter entrado no terreno pessoal a certa altura. Isso reflete, em parte, a vasta experiência dos coaches sondados (somente 10% tinham cinco anos ou menos de experiência). Sublinha, ainda, o fato de que a maioria dos executivos não consegue separar totalmente trabalho e vida pessoal. É o caso, particularmente, de altos executivos que passam um tempo espantoso no trabalho e estão sempre viajando, longe de casa. Muitos sentem o impacto na vida pessoal. É natural, portanto, que quanto maior a capacidade do coach de ajudar o líder a melhorar a situação no plano pessoal, maior e mais duradouro possa ser o impacto do coaching no trabalho.

O problema é quando a organização pede uma coisa e recebe outra. Muitas vezes, a empresa não tem idéia daquilo que o coach está realmente fazendo.

Um motivo seria a falta de empenho dos coaches em avaliar o impacto da intervenção e comunicar os resultados a executivos e outras partes interessadas. Embora 70% dos coaches sondados tenham dito que fazem uma avaliação qualitativa do progresso, menos de um terço dá feedback na forma de dados quantitativos sobre a conduta do orientado — e menos de um quarto fornece qualquer espécie de dado quantitativo sobre os resultados do coaching para a empresa. E esse cenário talvez já seja otimista, pois os dados partiram dos próprios coaches.

Embora possa ser difícil traçar um elo explícito entre o coaching e o desempenho de um executivo, certamente não é complicado obter informações básicas sobre melhoras no comportamento gerencial do executivo. O coaching é uma intervenção cara e demorada, e a organização que contrata um coach deve fazer questão de receber relatórios regulares e formais do progresso registrado, ainda que sejam apenas qualitativos. A julgar pela sondagem, a empresa só terá essa informação se pedir.

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David B. Peterson (david.peterson@personneldecisions.com) é vice-presidente sênior da Personnel Decisions International, nos EUA, e chefe do departamento de coaching executivo da consultoria. 

terça-feira, 13 de julho de 2010

O que um Coach pode fazer por você: parte 2

Coaching: uma obra em curso
Ram Charan

Não há dúvida de que futuros líderes precisarão de constante orientação. Com o ambiente empresarial ficando mais complexo, vão buscar cada vez mais a ajuda de um coach para saber como agir. O tipo de coach a que me refiro fará mais do que influenciar o comportamento; será parte essencial do processo de aprendizagem do líder — aplicando seu conhecimento, sua opinião e seu julgamento em áreas críticas. Esse coach será um presidente aposentado ou um especialista do mundo acadêmico, de centros de estudo ou do poder público.

Essa, nitidamente, não é uma descrição daquilo que a maioria dos coaches hoje faz, como mostram os resultados da pesquisa. O que entendemos por coaching é, em geral, um serviço voltado a gerentes de nível médio prestado por gente com experiência em consultoria, psicologia ou recursos humanos. Esse tipo de coaching se popularizou nos últimos cinco anos devido à escassez de talentos vivida por empresas e à preocupação com a perda de funcionários vitais. Como prova do compromisso de cultivar seus executivos de alto potencial, a empresa contratou coaches. Além disso, esse pessoal precisava desenvolver não só o lado quantitativo, mas a capacidade de lidar bem com gente — e, nisso, muitos coaches são úteis. Com a disseminação do coaching, o indivíduo que recebe essa orientação deixou de ser estigmatizado. Hoje, ter um coach é uma honraria.

A indústria do coaching seguirá fragmentada até que um punhado de firmas conquiste nome, reúna gente estelar, elimine quem não é lá essas coisas e fique conhecida por um trabalho de destaque. Já há grupos de coaching evoluindo nessa direção, mas em geral são firmas de elite especializadas em administrar e interpretar avaliações de 360 graus, por exemplo. Para ir além disso, o setor precisa de um líder que defina a profissão e crie uma firma séria — assim como Marvin Bower fez ao abrir a McKinsey & Company e inventar, no processo, a moderna consultoria administrativa.

Um grande problema a ser resolvido pela firma de coaching profissional do futuro é a dificuldade de medir resultados, apontada pelos próprios coaches. Não sei de nenhum estudo que tenha monitorado, por longos períodos, executivos que passaram por coaching; o grosso da evidência no quesito eficácia ainda vem de relatos informais. Minha impressão é que casos positivos superam os negativos — mas, com o setor amadurecendo, firmas de coaching terão de demonstrar como produzem a mudança, além de oferecer uma metodologia clara para medir resultados.

Apesar da recessão, concordo com a maioria dos entrevistados: a demanda de coaching não vai cair no longo prazo. Nas grandes economias em desenvolvimento — Brasil, China, Índia e Rússia — haverá um imenso apetite pela atividade, pois nelas a classe administradora é muito jovem. Com 23 anos a pessoa sai da universidade e já entra em uma empresa — onde descobre que o chefe tem 25 anos e experiência condizente com a idade.
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Ram Charan já orientou presidentes e altos executivos das maiores empresas americanas. É autor de 14 livros, entre eles O Líder Criador de Líderes (Campus, 2008) e, o mais recente, Leadership in an Era of Economic Uncertainty (McGraw-Hill, 2009).

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O que um Coach pode fazer por você? - Parte 1

Diane Coutu e Carol Kauffman


RESUMO

O dirigente empresarial moderno busca cada vez mais a ajuda de um coach para saber como agir em um mundo exigente e volátil. Em um país como os Estados Unidos, um conselheiro desses pode ganhar até US$ 3.500 por hora. Para entender o que um coach faz para merecer tal recompensa, a HBR ouviu a opinião de 140 expoentes da área e convidou cinco especialistas para comentar as conclusões da sondagem.

Tanto comentaristas como coaches dis­seram que as razões para a contratação de um coach mudaram. Dez anos atrás, a maioria das empresas queria ajuda pa­ra alterar o comportamento nocivo de algum líder. Hoje, a maioria dos coaches vai desenvolver a capacitação de gente de alto potencial ou atuar como caixa de ressonância. Com essa missão mais ampla, há muito mais dubiedade em torno de questões como a definição do escopo da relação de coaching, a mensuração e o informe do progresso do coaching e critérios que uma empresa deveria usar para selecionar um coach.

Empresas e executivos ganham de verdade com um coach? Quando pedimos a profissionais da área que explicassem o saudável crescimento da atividade, a resposta foi que a clientela segue prestigiando a classe porque o “coaching funciona”. A pesquisa sugere, no entanto, que há muito conflito de interesses na área, que não está claro o que é território do coaching e o que seria da alçada de profissionais da saúde mental e que mecanismos para monitorar a eficácia dessa intervenção ainda são rudimentares.
A conclusão? O coaching segue ganhando legitimidade como ferramenta de gestão, mas os fundamentos do setor ainda estão em fluxo. Nesse mercado, como em tantos outros nos dias atuais, um velho alerta segue valendo: todo cuidado é pouco!

NA ÍNTEGRA

A arena do coaching é cheia de contradições. Os próprios profissionais discordam sobre seu papel, sobre a melhor metodologia, sobre como medir o sucesso. Veja o que é preciso saber.

Na França do século 17, o cardeal Richelieu buscava a toda hora o conselho do frei José — François Leclerc du Tremblay, que entrou para a história como a “eminência parda” do reino pela cor de seu hábito. Assim como o famoso estadista francês, o líder na empresa moderna também tem sua eminência parda. Só que esse novo conselheiro não é um monge, nem fez voto de pobreza. Costuma ser chamado de “coach de executivos” e em um país como os Estados Unidos pode ganhar até US$ 3.500 por hora.

Para entender o que um coach faz para merecer tal recompensa, a HBR ouviu a opinião de 140 expoentes da área e convidou cinco especialistas para comentar as conclusões. Como verá o leitor, esses comentaristas tinham opiniões conflitantes sobre o rumo que a atividade vem tomando — e deveria tomar —, reflexo das contradições expostas pelos profissionais sondados. Tanto comentaristas quanto coaches acham que, para o setor amadurecer, é preciso elevar os critérios em várias áreas, mas não houve consenso sobre como efetuar tal mudança. Em algo, todos concordavam: as razões para a contratação de um coach mudaram. Dez anos atrás, a maioria das empresas queria ajuda para alterar o comportamento nocivo de algum líder. Hoje, o grosso do coaching serve para desenvolver a capacitação de gente de alto potencial. Com essa missão mais ampla, há muito mais dubiedade em torno de questões como a definição do escopo da relação, a mensuração e o informe do progresso do coaching e critérios que uma empresa deveria usar para selecionar um coach.

Empresas e executivos ganham de verdade com um coach? Quando pedimos a profissionais da área que explicassem o saudável crescimento da atividade, a resposta foi que a clientela segue prestigiando a classe porque o “coaching funciona”. A pesquisa sugere, no entanto, que há muito conflito de interesses na área, que não está claro o que é território do coaching e o que seria da alçada de profissionais da saúde mental e que mecanismos para monitorar a eficácia dessa intervenção ainda são rudimentares.

A conclusão? O coaching segue ganhando legitimidade como ferramenta de gestão, mas os fundamentos do setor ainda estão em fluxo. Nesse mercado, como em tantos outros nos dias atuais, um velho alerta segue valendo: todo cuidado é pouco!

O que dizem os coaches?

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Diane Coutu (dcoutu@harvardbusiness.org) é editora sênior da Harvard Business Review. Carol Kauffman (carol_kauffman@hms.harvard.edu) é coach de executivos, psicóloga e professora assistente clínica da Harvard Medical School, em Boston.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O Poder da Intuição...

Descubra como aquele palpite pode ser útil na hora de tomar uma decisão na vida. Aprenda a utilizar a intuição a seu favor — você vai se surpreender. (Rafael Tonon)

Pensamos, logo existimos. Desculpe- me, leitor, começar este texto assim, com um clichê já tão propagado da filosofia – e com a licença de ainda colocá-lo no plural, vá lá... Mas é difícil encontrar um argumento mais certeiro para definir a existência humana que nossa capacidade de pensar, não é mesmo? A verdade, entretanto, é que algo parece errado nesse raciocínio tão lógico. Errado, não. Talvez incompleto. Afinal, nós só nos tornamos efetivamente humanos na medida em que conseguimos combinar nossos pensamentos – e aí, vale incluir o que pensamos sobre os outros e o mundo ao nosso redor – com outras formas de conhecimento de que dispomos, como nossos sentimentos, nossas sensações e nossas intuições para percebermos o mundo que nos rodeia.

Às vezes, mesmo quando a razão tenta nos demover de uma ideia que parece logicamente infundada, nós vamos lá, damos a cara a bater. Teimamos e, vez por outra, ainda provamos que nossa própria razão estava redondamente enganada. Afinal, nossa consciência de mundo não dá conta de ser tão racional assim – ou de buscar racionalidade em tudo. Por isso, somos capazes de perceber muitas coisas sem que elas passem pelo crivo da razão. Os sentimentos estão aí para comprovar. Quem nunca se apaixonou a ponto de perder as estribeiras da lógica?

Outra forma de conhecimento não respaldada pela razão está na intuição, que vem do latim intueri e significa considerar, ver anteriormente. Sabe quando você tem a certeza de alguma coisa, mas não sabe explicar por que ou de onde ela veio? Pois então, isso é uma manifestação dessa nossa intuição, uma capacidade de conhecimento que eu e você temos, mas que nem sempre valorizamos, é verdade. Porém, está na hora de reavaliarmos nossa forma de tomarmos consciência sobre as coisas: os pressentimentos podem nos levar a tomar decisões melhores que as deliberações racionais. Para compreender, não basta pensar. É preciso sentir e, principalmente, intuir.

A razão tem razão?

Não é difícil entender por que muita gente ainda torce o nariz para a intuição. Hoje o modelo de conhecimento que temos no mundo moderno ocidental ainda é muito embasado pelo pensamento racional e lógico. “É algo que herdamos dos gregos há mais de 2 mil anos”, afirma o psicoterapeuta e filósofo Ari Rehfeld. Uma frase do tipo “eu acredito que seja assim por pura intuição” dificilmente vai convencer um amigo ou um chefe. Por sabermos disso, tratamos de sabotar internamente nossos sinais particulares, não dando a devida atenção a eles. O pior é que desperdiçamos, assim, uma poderosa ferramenta para tomarmos decisões muito melhores.

A intuição é uma aptidão que todos nós temos, mas que precisa ser desenvolvida – assim como a própria capacidade de pensar. É aquela percepção ou decisão que aparentemente não tem uma explicação lógica e que até contraria o senso comum, mas que no fim das contas faz todo o sentido. Ela funciona como um guia interno, que se manifesta através de um conhecimento não-linear. “Por isso a intuição aparece através de sensações inexplicáveis, insights, sonhos, ou de uma voz interna que parece dizer ‘sim, isso está certo’ ou ‘isso não vai funcionar’”, diz a psiquiatra americana Judith Orloff, autora do livro Second Sight (“Outro olhar”, numa tradução livre, ainda sem edição no Brasil). É difícil explicar a intuição porque ela é como um lampejo, uma resposta imediata que nossos neurônios constroem diante uma situação. “Um pressentimento sempre nos inquieta porque não sabemos de onde ele surgiu, ele não vem a partir de um raciocínio consciente, mas de um lugar desconhecido da nossa mente”, escreve Judith.

A lógica e os modos conscientes de pensamento monopolizaram nossa forma de compreender o mundo. Mas, no entanto, a lógica é apenas umas das muitas ferramentas úteis de que a mente pode se valer. “Até porque há informações e percepções que vão direto para o inconsciente, sem passar pelo filtro do nosso consciente”, complementa Rehfeld. Filósofos como Platão já valorizaram a intuição como um ponto de partida para suas ideias. As sacadas surgiam intuitivamente e, depois, eles tratavam de colocá-las à prova sob a luz do racionalismo. “Mas hoje vivemos num mundo em que não temos tempo de parar e intuir. Estamos condenados ao ritmo do pensamento racional”, diz o psicoterapeuta.

Menos é mais

Em plena era da informação, sofremos mesmo do mal do “pensar demais”. Tanto que, de muito raciocinar, sobrecarregamos toda a capacidade de atenção do cérebro, comprometendo a saúde da mente. Como resultado, acabamos entregues à depressão e à ansiedade. Pensar demais e saber demais podem se transformar em um problema. Durante uma viagem à Itália, a musicista Abbie Conant foi convidada a fazer um teste para a Filarmônica de Munique. Os 33 candidatos tiveram que tocar atrás de uma tela, que os tornava invisíveis ao comitê de seleção. Conant se concentrou para fazer uma apresentação perfeita, mas errou uma nota. Ela pensou que seria desclassificada. Mas todos do comitê estavam estarrecidos com o que tinham ouvido. O diretor da Filarmônica ficou tão excitado que despachou de volta os candidatos que ainda não tinham se apresentado.

Mas, quando chamaram Conant, ficaram surpresos – e decepcionados – por ela ser mulher. Mulher e trombone não combinavam para o diretor da Filarmônica. E, apesar de ter vencido todas as rodadas de audições, ela entrou para a orquestra contra a vontade do diretor que, um ano depois, a rebaixou para segundo trombone. Conant ficou tão indignada que levou o caso para os tribunais. Como provas, fez uma batelada de exames: soprou em máquinas especiais e teve até seu sangue examinado para comprovar sua capacidade de absorção de oxigênio. Todos os resultados foram acima da média. Só depois de oito anos, por determinação da justiça, é que ela foi reintegrada à posição de primeiro trombone.

A história é contada no livro Blink – A Decisão num Piscar de Olhos, do jornalista americano Malcolm Gladwell, e mostra que, se tivessem levado em consideração apenas a primeira impressão da audição de Conant, os membros da Filarmônica teriam uma grande artista como primeiro trombone desde o começo. “Mas, por acharem que ela poderia ser frágil para um instrumento tão masculino, resolveram dar crédito ao pensamento racional, que indica que as mulheres são menos aptas a instrumentos que exigem maior fôlego, e não ao que tinham ouvido”, escreve o jornalista. Isso também acontece com muitos de nós. O ato de pensar objetivamente nas razões pode levar a decisões que nos deixam menos satisfeitos. Analisar todos os lados da questão pode não ser uma boa tática.

A mente intuitiva

A questão é que nem que nos esforcemos muito podemos tomar todas as decisões da nossa vida sob o crivo da razão. Nossa mente trabalha melhor relegando ao inconsciente uma boa parcela do pensamento racional – ela não daria conta de tudo, se não usasse esse artifício. Por causa disso, a própria evolução dotou nossa mente da capacidade de reagir antes mesmo de pensar quando estamos diante de uma situação de risco – a intuição é, portanto, uma aptidão evolutiva. “O instinto que nos faz hoje optar por algo que conhecemos equivale ao instinto de sobrevivência no mundo selvagem. Podemos escolher uma refeição com ovos verdes, mas você não escolheria uma opção menos exótica, se pudesse?”, questiona o professor de Psicologia da Universidade de Chicago, Gerd Gigerenzer, no livro O Poder da Intuição. “Quando optamos por alimentos que conhecemos, obtemos as calorias necessárias sem perder tempo de arriscar a sorte para saber se a refeição exótica é tóxica.”

Antes mesmo que você considere o ovo colorido, sua mente já mandou um recado que é melhor comer o velho ovo com clara branca e gema amarela. A intuição permite à nossa mente colocar alguns comportamentos e decisões em piloto automático. “Pensar toda vez em como se anda de bicicleta ou como se deve sorrir nem sempre é melhor do que fazer ambas as coisas de forma automática. As partes inconscientes da mente são capazes de decidir sem que nós – ou o eu consciente – conheçamos as razões”, afirma Gigerenzer.

Somos capazes de fazer uma viagem inteira dirigindo por uma estrada com buracos e condições adversas sem sequer racionalizar uma parte do trajeto sequer. Mas isso só foi possível depois de a mente ter adquirido conhecimento suficiente para poder relegar ao inconsciente a tarefa de conduzir a direção. O mesmo ocorre com nossa intuição. Afinal, nós só temos intuições a partir de experiências, de informações e do conhecimento que obtivemos, voluntariamente ou não. “Na verdade, a natureza dá ao ser humano um potencial, e a prática ao longo do tempo se transforma numa capacidade.” A mente intuitiva se adapta e age com economia valendo-se do inconsciente, das aptidões evolutivas e dos métodos empíricos que desenvolvemos no decorrer da nossa vida. Eles consistem em procurarmos nos ater à informação mais relevante e ignorar o resto. Na maior parte das vezes, os pressentimentos se baseiam num volume surpreendentemente pequeno de informações.

Como no caso de uma proposta de emprego em que o salário é ótimo, mas, segundo aquela sua amiga, o chefe do departamento é um grosso e o clima organizacional, bastante tumultuado. Empiricamente, a única informação que você pode comprovar é que o salário oferecido é o triplo do que você ganha. A relação pessoal da sua amiga com o chefe e a equipe pode ser relativa – ou um problema só dela. Vai de você confiar na informação de que dispõe ou levar em consideração tudo o que ouviu. Por isso, a intuição tem a ver com palpites, com os riscos que corremos e que só a vivência e a experiência vão nos mostrar se acertamos ou não.

Atenção aos sinais

As pessoas que resolvem seguir sua intuição e se dão bem passam a dar mais valor aos avisos e sinais que o inconsciente lhes dá. A cantora Tiê sempre foi de dar ouvidos aos seus pressentimentos. “Se eu cismo com uma coisa que acho que pode não ser legal, não faço. E é muito difícil alguém me convencer do contrário”, diz. Ela já se negou a participar de shows simplesmente por achar que não valeriam a pena – ao mesmo tempo que aceitou fazer outros em lugares aparentemente nem tão legais mas que sua intuição dizia ser a melhor escolha. “E é engraçado que meus palpites sempre se comprovam.” Tiê também usa sua intuição na hora de criar e compor. Dá mais valor às ideias que surgem espontaneamente e dificilmente fica pensando e alterando notas e palavras depois. “Dos cinco sentidos, acho que o olfato é o que eu tenho mais apurado, por isso costumo brincar que a intuição é o olfato da mente, porque nos permite farejar de longe as coisas. Dificilmente a gente se engana com um cheiro, né?”

Intuir, na verdade, significa utilizar um outro sentido de que dispomos além da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato. É mesmo como um “sexto sentido” colocado à nossa disposição e que nos ajuda a melhorar nossa relação com o mundo e facilitar nossa vida. E da mesma forma que, quanto mais nós ouvimos, melhor reconhecemos um ruído, quanto mais usamos a intuição, melhor conseguimos aproveitar os pressentimentos. A intuição melhora com a experiência sem que a gente se dê conta. Um ótimo executivo é capaz de prever se um produto vai ter sucesso de mercado mesmo que as pesquisas que sua empresa encomendou indiquem que não – e que não consiga explicar logicamente seus argumentos. Isso porque, em anos de carreira, teve experiências suficientes para conhecer o mercado e armazenar registros inconscientes. Claro que não significa que ele tenha poderes sobrenaturais, mas que aprendeu a perceber os sinais que sua mente dá mesmo quando as coisas não pareçam ter lá muita lógica.

Isso só é possível através do conhecimento que temos – do mundo que nos cerca e de nós mesmos. É o autoconhecimento, aliás, que nos permite reconhecer os pressentimentos que a nossa mente tem. Porque é fácil confundir intuição com desejo e com medo. Se estamos em um relacionamento que nos faz mal, por exemplo, é fácil intuir que precisamos buscar uma nova forma de ser feliz. Mas isso diz respeito a um desejo interno, que nem sempre é tão claro e que, por causa disso, pode ser erroneamente interpretado como intuição. “Uma pessoa que tem a sensação estranha de que seu avião pode cair precisa ponderar se não se trata de um medo que ela mesma tem de voar. Porque a mente de um fóbico tende a projetar todos os riscos relacionados a um medo”, diz a psicóloga Virgínia Marchini, diretora do Centro de Desenvolvimento do Potencial Intuitivo, em São Paulo.

Se estivermos realmente atentos aos sinais do inconsciente, defende Virgínia, aumentamos nossa capacidade de usar nossa intuição e de decidir acertadamente. Para que isso ocorra, precisamos estar com a mente mais tranquila possível – afinal, quanto maior nosso nível de estresse e de ansiedade, menor a acuidade dos nossos sentidos. “Nervosos e agitados, somos menos propensos a sentir gostos, diferenciar cheiros e, consequentemente, perceber pressentimentos”, diz. A intuição depende de um estado mental de relaxamento. As pesquisas indicam que, nesse estado, a mente intuitiva não precisa de mais de dois segundos para que seja capaz de tomar decisões.

Confiar (e agir)

Desenvolver a intuição significa adotar uma postura mais reflexiva e trabalhar a autoconfiança. Apostar naquilo que você percebe e sente. Dedicar-se um tempo ao silêncio e ao recolhimento ajuda. Registrar e interpretar sonhos e impressões, também, porque essas práticas facilitam o acesso ao mundo interno, assim como ler, conhecer, assistir, viajar. Outros sinais aparecem em nosso próprio corpo, não apenas na mente. Sintomas físicos como insônia e agitação podem indicar desconforto com uma situação ou decisão que se esteja pensando em tomar. “Cada um de nós tem a sabedoria e o conhecimento de que necessita em seu próprio interior”, escreveu o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, um defensor da intuição. Precisamos só estar abertos a identificá-los, já que, afinal, tendemos a viver tão melhor à medida que percebemos o que nos rodeia.

Intuir, portanto, é enxergar melhor o mundo olhando para dentro de nós mesmos. Por isso é preciso confiar nas nossas próprias intuições. De nada adianta abrir uma comunicação com o inconsciente se esse conhecimento não impulsionar ações. “A intuição é vivencial, precisa ser praticada”, diz a psicóloga Virgínia. Assim como precisamos experimentar relacionamentos para quebrar a cara ou colocar a mão no fogo para perceber que ele queima. E viver é mesmo correr riscos, fazer apostas. E, para isso, nem sempre basta apenas pensar.

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Livros

Blink, Malcolm Gladwell, Rocco O Poder da Intuição, Gerd Gigerenzer, Best Seller Sway – The Irresistible Pull of Irracional Behaviour, Ori e Rom Brafman, Broadway Books